sábado, 5 de maio de 2012

Vínculos em laço

 Certo dia me pus a pensar sobre um amor, uma música, uma construção cultural. As referências que me vieram a cabeça não podiam ser diferente, Samuel Rosa, Pe. Fábio de Melo e Mário Quintana  respectivamente:

"Éramos nós
Um mais um
Éramos mais que só dois

Éramos um
Feito de dois
Mais que nós dois
Nunca então sós

Eu era eu quando era nela
Ela em mim como ela era

Soma sem subtração
Múltiplo sem divisão
Dois que se amavam
Então, éramos multidão

E na matemática torta
Da vida que sem ela
Dois menos um é zero
Eu não sou nada do que eu era!" 

 Construir vínculos, construir relações que nos acrescentam, que se multiplica. Ser "mais que dois" em uma única sintonia, e manter a autenticidade. Manter a forma própria de sermos, estarmos, fazermos, concomitantemente entrelaçado com outro que também se confere a mesma propriedade. Exatamente dessa forma, inexata mas perfeita, relacionar-se como humano, divinamente humano!

"Sempre que falamos de mito do amor romântico, estamos, de alguma forma, evocando um inconsciente coletivo fortemente influenciado pela interpretação deste mito a respeito das relações amorosas. 
 Jung, grande nome da Psicologia contemporânea, demonstrou, por meio de sua reflexão, que quando um indivíduo vive um importante e marcante fenônemo psicológico, um grande potencial inconsciente está vindo à tona, emergindo, prestes a manifestar-se ao nível da consciência. Segundo ele, o mesmo pode ser dito quando o assunto é coletividade. Do inconsciente coletivo de um povo pode surgir uma nova ideia, crença, paradigma, que é mantida por este povo. (...)
 O conceito de amor não pode ser aprisionado por esta visão romântica do mito, que não sabe considerar os limites como positivos para o crescimento humano. Tampouco pode reduzir o desejo à condição de prazer. 
 O sonho que sonhamos não pode ser projeção infértil. Ele tem que estar sempre preso à realidade, afinal, é nela que estamos sustentados. 
 O que temos e podemos é a aventura de encontrar alguém, e ao lado dele construir uma história de vida comum, felicidade que nasce do duro processo de sermos promotores uns dos outros por meio do amor que sentimos. 
 A vida nos demonstra que a gênese das frustrações humanas está na inadequação entre aquilo que sonhamos para nossa vida com aquilo que de fato nos acontece. Somos incentivados a sonhar alto, a projetar grandes empreendimentos e a colocar nossos esforços para extrair o máximo que pudermos da vida. Não há nenhum erro em tudo isso. O grande problema não está em sonhar alto. Isso é fácil. O difícil está em continuar vivos quando o pedestal do sonho não suportar o nosso peso e dele cairmos. (...)
 E claro que a vida não é possível sem as projeções. O importante é estabelecer um equilíbrio entre aquilo que projetamos e aquilo que podemos esperar de nós mesmos. Em cada pessoa existe uma condição, um estatuto que a identifica, como limites e possibilidades. O equilíbrio se dá nessa junção. Entre o que podemos e o que não podemos está o espaço do crescimento que nos favorece a conquista da condição de pessoa. (...)
 O mito do amor romântico parece fortalecer nas culturas o desejo que o ser humano tem de encontrar no seu mundo exterior a solução para suas imperfeições. É quase uma camuflagem. Desejosos de curar as consequências de nossas precariedades, passamos a buscar nas coisas, nas pessoas e nas situações, o remédio que nos sanaria de nossas incompletudes." (adaptado)

A sagrada Hollywood e/ou a épica Disney. A maçã que envenena a sanidade de muitas crianças, jovens, adultos, idosos. Estéril palco das construções culturais mais comuns do mundo. "O mito do amor romântico", uma das mais banais e mesquinha doença cultural. Delimitando nossa humanidade a um formato mínimo, improdutivo, ilusório. Disseminando um sentimento vazio, indiscreto, comercial, frio.
 O sentido do amor perfeito, cara metade, alma gêmea, e afins pouco se faz útil. Ama-se esperando... desejando... sonhando... Não se ama para crescer, aprender, revisar conceitos. Qual é a utilidade do córtex que só projeta? Projeta utopias que não nos faz caminhar, nos faz esperar... desejar... sonhar... Qual a utilidade de ser humano e não respeitar essa condição? Desrespeita o limite comum a nós todos, e ao invés de vemos-o como fronteira para outro espaço, outra perspectiva, outro olhar, o limite se torna o fim. Ao invés de enxergar o limite alheio como desafio que acrescenta, enxergamos-o como defeito. E depois que este vínculo que criamos se desfaz ainda temos a infelicidade de difamá-lo por pura falta de criticidade!
 Que triste fim é este que nos põe vítima da própria projeção que não demos conta de questionar. Que triste é esse fim que nos rouba a personalidade. Abrigar-se em desejos profanos. Profanos por nos mascarar, aprisionar, estagnar nosso desenvolvimento.

"Meu Deus! Como é engraçado!
Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço... Uma fita dando voltas.
Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.
É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo, no vestido, em qualquer coisa onde o faço.

E quando puxo uma ponta, o que é que acontece?
Vai escorregando...
Devagarzinho, desmancha, desfaz o abraço.
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido.
E, na fita, que curioso, não faltou nem um pedaço.

Ah! Então, é assim o amor, a amizade.
Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora, deixando livres as duas bandas do laço.
Por isso é que se diz: laço afetivo, laço de amizade.

E quando alguém briga, então se diz: romperam-se os laços.
E saem as duas partes, igual aos meus pedaços de fita,
Sem perder nenhum pedaço.
Então o amor e a amizade são isso...
Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço..."

 Como é simples! Como é simples cuidar de nossos vínculos! Como não dói desvincular-se de alguém quando se entrelaça, ao contrário de quando se prende forçadamente em nó. O laço dá forma a fita, deixando-a bela, singela, firme, mas disponível para deixar sua forma se ir... O nó não, quando um relacionamento vira "nó" as marcas são fortes, demora a desamassar... E ainda não permite a construção de uma circularidade bonita como a do laço. Ah... O nó é triste! É seco, não destaca a cor da fita. Quando construímos vínculos em forma de nó, muita beleza nos torna indisponível.
 Vincular-se em laço é presentear a si mesmo, é enfeitar-se, colorir-se, torna-se delicado ao mesmo que firme. Completar e ser completado... E quando o namoro termina, a mãe morre, o amigo deixa de ser amigo, nada se perde, apenas se transforma. E recria sua forma, de outras formas!
 

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