Quem aqui não tem no coração um território que
desconhece? Curioso fato, o desconhecimento próprio... Porém, muito comum,
presente em qualquer um. O reconhecimento já é o primeiro passo para o
conhecimento. Reconhecer-se limitado, incompleto, logo, humano.
Quem aqui não sente o vestígio daquela dor,
aquela que por algum motivo não se vai, parece ser eterna, que incomoda,
machuca, sufoca, mesmo depois de alguns anos do seu apogeu... Vai me dizer que
depois de tanto tampo “cê” ainda encontra razão (material, nominal ou afins) pra
sentir isso tudo? De uma forma tão viva, tão íntegra, recente...
Nada mais perplexo que o próprio
desconhecimento, e “se bobia, nego logo começa a questionar: Deus existe?”, curioso...
eu descobri a presença de Deus na ausência da certeza. Não que a incerteza me
conforte, é que através dela aprendi a valorizar a mística da vida. Olhei por
outras janelas, encontrei a natureza e a poesia.
Quando o dia esta nublado sinto que a tristeza
da alma se sente compreendida. Se temos territórios interiores que não
conhecemos, nada mais apropriado que o cinza, cor de poucas tonalidades, nos
chamar a atenção. Assim como os dias de primavera, onde o que se destaca as
cores, as vibrantes! Equalizam-se aos nossos corações num mesmo batimento.
Ahh, impossível não suspirar com a poesia! A
natureza compreende, a poesia verbaliza a tristeza de nossa alma. Se
acompanhada com a melodia, a poesia transforma-se na mais pura nascente. Sem
culpa, sem trapaça. Enxuga a alma encharcada de mazelas, brota lágrimas com
novo sentido, novo sentimento, lágrimas do amadurecimento. A poesia grita por
milhares de dores silenciadas, sorrir por sorrisos incompreendidos, deita, levanta,
acompanha pés calejados. Vejamos o seguinte poema:
“De repente aquela esquina era
mais que um lugar
Era quase exato tudo que havia em
mim
Solidão, conforto, coração, se
esvaindo
Como os tons da tarde morta lá no
céu”
Infelizes são os humanos que acreditam no mito
do amor romântico, herói da pátria, valores incorruptíveis, enfim, tantas projeções
incabíveis a nós mesmos que mal nos conhecemos, imagine numa outra pessoa?! Quem nunca se decepcionou com as próprias projeções?
Quem nunca viu cair por terra o pedestal que colocou a própria mãe, o pai, o
amigo (a), o namorado (a), o teórico (a)...? Subitamente, tudo que projetamos
com tanto carinho e ilusão, se desmorona. As palavras fogem, os sorrisos
apagam, os significados se confundem. Já não olhamos mais para aquelas “esquinas”
e vemos o que víamos antes. Vem assim, inesperadamente, afinal quem espera pela
desilusão?
Então alguém coloca palavras na nossa boca,
acompanhadas de arranjos musicais ou não, mas palavras que transmitem, que
significam, que sorrateiramente nos alcançam. E assim, com poucas perguntas,
doses homeopáticas de autoconhecimento, e conforto no peito, confirmo: é Deus,
se não for o Senhor não faz sentido ser quem eu sou, onde eu nasci de onde eu
vim. Se não for o Senhor, não é mais ninguém pra mim!
“Seu destino cego a lhes conduzir
Sua sorte à solta a lhes indicar um caminho
E dançavam lá em meio a tanta gente
Se encontraram ali
Cai um temporal lá fora
Onde irão vocês agora?
E tudo aconteceu
Quando as mãos se tocaram
Quando os olhos nem viram
Quando a noite chegou
E tudo estremeceu
As paredes do tempo
Os telhados do mundo
As cidades do céu
Eram os dois avessos aos
normais
Ela com os pés no chão, e o chão se abriu
Um abismo
E dançavam lá, em meio a tanta gente
Se perderam ali”