quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Jumento Celestino


Tava ruim lá na Bahia, profissão de bóia-fria
Trabalhando noite e dia, num era isso que eu queria
Eu vim-me embora pra "Sum Paulo"

Eu vim no lombo dum jumento com pouco conhecimento
Enfrentando chuva e vento e dando uns peido fedorento (vish burro)
Até minha bunda fez um calo

Chegando na capital, uns puta predião legal
As mina pagando um pau, mas meu jumento tava mal
Precisando reformar

Fiz a pintura, importei quatro ferradura
Troquei até dentadura e pra completar a belezura
Eu instalei um Road-Star!

Descendo com o jumento na mó vula
Ultrapassei farol vermelho e dei de frente com uma mula
Saí avuando, parecia um foguete
Só não estourei meu côco pois tava de capacete

Me alevantei, o dono da mula gritando
O povo em volta tudo olhando e ninguém pra me socorrer
Fugi mancando e a multidão se amontoando
Em coro tudo gritando: "Baiano, cê vai morreêeê !"

Depois desse sofrimento, a maior desilusão
Pra aumentar o meu lamento, foi-se embora meu jumento
E me deixou c'as prestação

E hoje eu tô arrependido de ter feito imigração
Volto pra casa fudido, com um monte de apelido
O mais bonito é cabeção!

Mamonas Assassinas

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Olá querido II


Quando lhe vi pela primeira vez apenas pensei: como é possível em uma pessoa só caber tantas cores?

Após o despertar dessa específica curiosidade veio também a vontade de observar toda sua extensão meticulosamente.

Assim como suas cores me chamou a atenção, logo seus dentes perfeitamente alinhados se exibiam mostrando um sorriso imponente, e após ver seu olhar profundo e misterioso me vi cativa em seu universo.

Troquei com você algumas palavras, e que palavras! Tudo que você dizia a mim fazia sentido, vi que tínhamos muito em comum até que... Até que você me mostrou superficialmente suas cicatrizes. E foi aqui que me entreguei a você.

Por algum motivo quis com muita intensidade lhe fazer o bem, lhe ser amiga, lhe ser especial de qualquer forma. Hoje penso que essa foi a maneira de lhe retribuir aquele sorriso que me encantou, aquelas cores que me chamou a atenção, aqueles olhos que me fez submergir em seu mundo.

O tempo passou e permaneci imersa nas possibilidades que crie em você; até que a frustração superou o desejo de lhe fazer bem. Suas atitudes, palavras, olhares estavam imprecisos demais para alimentar tal vontade. O que você me deu no dia em que nos conhecemos era o suficiente para lhe desejar tanta coisa boa, depois que a magia passou meu desejo foi tão efêmero quanto seu encanto.

Com mais um pouquinho de tempo voltei a sentir aquela intensa vontade de estar do seu lado, porém agora me carecia de coragem. Sinto falta de lhe abraçar e perguntar como você vai olhando em seus olhos, não sei por que mas sinto falta de me sentir útil a você.

Então exatamente agora vi que tudo não passou de uma bela construção minha, não há nada de específico em você, seu sorriso não é nem mais ou menos encantador que outros. A questão daquela atenção que lhe dei se chama “momento”.

O momento que decidi ver aquilo em alguém, sentir aquilo por alguém, fazer algo por alguém.

Infelizmente fui limitada demais para manter o equilíbrio diante das decepções, tentar fazer algo que podia ser útil, quase “altruísta”. Mas não dei conta.

Ás vezes queria voltar ao começo, ser mais direta e dizer o tão adorável você é. Mudar as atitudes só pra ver se no final seria isso mesmo. Mas ao mesmo tempo vejo que isso tudo realmente foi uma idealização teleológica, até mesmo a sua simpática, tudo esta mais no meu imaginário do que de fato é. Ninguém é tão extraordinário assim.

É comum considerar uma pessoa especial, é estranho fazê-la especial e ter plena consciência disso. Da a impressão que todas as nossas atitudes que por um instante pensamos ser de total liberdade na verdade são todas dominadas pelo nosso egoísmo de sempre querermos o nosso próprio bem.

Peço aqui formalmente meu perdão. Prometo a mim, e as futuras pessoas que me cativarão, aprender a amá-las mesmo desacreditando no altruísmo, amá-las simplesmente.

Eu realmente lamento muito ter falhado com você, mesmo você tendo noção disso ou não.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mil faces

 Pedro voltava de mais um dia de serviço, “daquela rotina exaustiva e alienada” como ele mesmo pensara e sorria ao se lembrar de Karl Marx.
 Enquanto embarcava no ônibus que o levaria para casa, olhou para a empresa que trabalha de uma maneira menos comum. Observou a grandeza da indústria, a chegada dos trabalhadores que virariam a noite ali produzindo para seus chefes que dormiam aconchegadamente em suas comodidades na parte nobre da cidade.
 E ao sentar-se próximo a janela viu seu reflexo nela.
 Um homem das sobrancelhas grossas, dos olhos castanhos escuros, da pele parda, do cabelo indeciso: não sabe se é liso ou enrolado, não sabe se é branco ou castanho. Riu para si mesmo depois desta observação. E após rir se deparou com uma lacuna que o levava a sua alma.
 Ao observá-la percebeu que a figura do reflexo do espelho daria um ótimo empresário se fizesse a barba e colocasse um terno, mas também daria um ótimo “James Bond” com uma BMW e uma loira sexy ao lado... Viu mil possíveis nele através de sua alma.
 Subitamente fechou os olhos e permitiu-se concentrar e sentir apenas na brisa que o tocara, ouviu de sua alma que suas mil possíveis faces não o tornaria menos ou mais humano uma que a outra. E assim Pedro, tocou na sua barba, fixou-se em olhar apenas para a cor dos seus olhos, e logo a sentir a textura do seu cabelo para enfim decretá-lo liso ou enrolado, e foi ai que...
 E foi aqui que entendeu o que sua alma lhe disse ao combinar precisamente a retina com o córtex: sou igual a todos, sou tão humano quanto a todos, tenho as mesmas possibilidades, vontades, necessidades e carências. E sou muito especial por ser assim: possível, ameno, rude, acomodado, imperfeito!
 Pedro então esboçou outro sorriso, lembrou de quando lera “Manifesto Comunista” e sentiu no coração todo o ardor por mudança e igualdade que Marx expressara naquele livro. Olhou para o teto do ônibus e agradeceu pelo livre arbítrio, que o possibilitou acreditar no amor que na revolução. Possibilitou enxergar que há uma tênue divisão entre o burguês e o ploretariado que pouco importa, nenhuma ordem econômica importa, quem trabalha a noite, quem dorme na parte nobre da cidade, quem luta por igualdade ou aquele que luta pelo poder...
 Ele enfim, em plena execução do livre arbítrio optou concentrar toda sua fé no amor, o que devira dele ou da falta dele. Viu no seu reflexo, na sua imperfeição, mil faces. E dali nivelou toda a humanidade a uma igualdade só: a igualdade de escolher o foco que deseja ter, a força que desejar medir, a fé que escolher crer. E decide ficar apenas com o amor que essa liberdade proporcionar a qualquer que seja a condição da humanidade.