sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

"Isso é o progresso!"

 Uma coisa que tem me feito refletir hoje é imaginar a utilização da frase "isso é o progresso!" em diferentes tempos da humanidade.
 Imagino um primata lá na Pré-História descobrindo o fogo em contato com a pedra e "balbuciando" para seu colega: isso é o progresso!
 Imagino no ano 10.000 A.C. a descoberta da agricultura e a fixação do homem em um lugar, os patriarcas dizendo: isso é o progresso!
 A fundição do bronze, invenção da roda, domesticação dos animais, uso da lã... “Isso é o progresso!”.
 Então de repente chegamos a Idade Antiga e vemos o Código de Hamurabi, a escrita, consolidação das cidades, religião monoteísta, os grandes Faraós, o início da expansão comercial e naval dos Fenícios, as cidades-estados da Grécia e seus filósofos, nascimento de Roma, a fundação da biblioteca de Alexandria e Alexandre, O Grande, dizendo: isso é o progresso!
 A Era Cristã, que precede a Idade Média, com o nascimento de Jesus Cristo, auge e declínio do Império Romano, Constantinopla como capital mais influente no mundo eurocêntrico, período clássico e riquíssimo da civilização Maia, os avanços dos Hunos na Pérsia e na Índia... Para cada qual: isso é o progresso!
 Então a Idade Média com a reunificação da China e a primeira impressão de um livro, o budismo no Japão, fundação de Bagdá, árabes conquistam as Alexandrias, apogeu dos Maias, completo fim do Império Romano, expansão Inca, cruzados em Jerusalém, a Igreja Católica e seu Estado, as conquistas de Gengis Khan e seu genocídio, Joana D’arc, Henrique V, as grandes navegações chinesas: isso é o progresso!
 Os modernos com a reforma protestante, Vasco da Gama contornando a África, a renascença com seus artistas e cientistas, Colombo no norte das Américas, Cabral no Brasil, Otomanos conquistando Síria, Egito e Arábia, Camões, Companhia de Jesus, fundação de Quebec, do Afeganistão, independência dos EUA, Revolução Gloriosa, Revolução Industrial, motor a vapor, genocídio dos povos indígenas, comercio da mão escrava africana: isso é o progresso!
Para nós, contemporâneos, progresso é: Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte, Karl Marx e o Manifesto Comunista, Inconfidência Mineira, Doutrina Monroe, Big Stick, Charles Darwin, fim do tráfico negreiro, Guerra Hispano-Americana, Guerras do Ópio, invenção da fotografia, Guevara e Fidel Castro, teoria da relatividade, programa espacial soviético, avião, bomba atômica, ONU, FMI, AIDS, farmácia, Apartheid, Al-Qaida, crise econômica, petróleo, Zapata, Pinochet... “Isso é o progresso!”?
 Citei aqui momentos históricos totalmente embasados na teoria positivista que para mim, é anacrônica e marginalizadora. Mas a intenção não é discutir o ponto de vista de um mesmo ponto, mas apenas refletir sobre uma parte do “progresso” que veio a se desenvolver nessa cronologia eurocêntrica.
 Deixo aqui para cada leitor que reflitam essas palavras com a ajuda do mineiro que tanto admiro, Samuel Rosa, em sua música “Notícia”:

O tempo veio hoje me encontrar
Parando na minha janela
O tempo só chegou pra me dizer
Tudo que não pude perceber

Depois de mudar tanto o que toquei
O tempo vem trazendo algumas marcas
Na rua e no meu coração
Parece que alguém perde a razão

O tempo passa e nunca me avisou
E agora pude perceber
Aqui tão longe, ali bem mais perto de você
Ferve demais nesse verão

O tempo choveu fora da estação
Por isso me chamou pra uma conversa
Na rua e no meu coração
Parece que alguém perdeu a certeza

O tempo veio hoje me encontrar
Ainda quer me dar uma chance
O tempo só chegou pra me dizer
Tudo que não pude perceber

A onda imensa bate e leva a casa que vivi
O vento é forte e fortes não são as cidades que ergui
Algum mal fiz pra tanta resposta má
Do sol, montanha, vento e mar

Existe um céu de mísseis e de escudos contra mim
Um céu de estrelas de cometas me chama
Eu vou pedir, pedir que eu possa prosseguir
Entre o sol, montanha, vento e mar

A luz batendo no meu rosto é o sol mais quente que senti
Queimando planta, gente e tudo que nasce por aqui
Algum mal fiz pra tanta resposta má
Do sol, montanha, vento e mar

O tempo veio hoje me encontrar
Vem me falar de uma chance...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Aos politicamente engajados.


Quem canta ou assobia na escuridão nega sua ansiedade, mas não passa a ver mais claro. Há dez anos, caímos na estagnação. Vivemos hoje, à beira da depressão e da hiper-inflação. E constatamos, a toda hora, com espanto a vergonha, a enorme distância que nos separa da civilização. É natural que o medo e a desesperança tenha tomado o lugar do nosso habitual otimismo. Mas podemos continuar cantando ou assobiando, e acreditar em homens providenciais, ou em receitas salvadoras aviadas por economistas geniais. Ou encontrar culpados. Isto é fácil e cômodo. Difícil é enxergar mais claro. Há interesses, partidarismos, preconceitos ideológicos, que criam ilusões e ocultam realidades desagradáveis. O debate público não tem ajudado. Mas o mínimo que se exige dos intelectuais é que exponham suas opiniões claramente, sem a pretensão de ditar a verdade, mas também sem medo de desagradas a quem quer que seja.

João Manuel Cardoso de Melo, 1992.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

The dog days are over?


Essa questão é de difícil visão no campo político. Liberdade? Igualdade? Fraternidade? Onde? Ou melhor... Para quem? Ha que preço?

Preço... Tá aí um medidor de liberdade eficiente desse modo de produção vigente na grande parte do planeta: Capitalismo.

Acho interessantíssimo a inversão de valores presentes na sociedade! Como em uma propaganda da: Ford Fusion, the city is in your hands. Ah então agora é isso, essencial mesmo e ter um carro que me faça sentir tão poderosa ao ponto de ter "a cidade em minhas mãos"?

Venho observando também algumas pessoas que dizem realizar-se após a compra de um jato, por exemplo. Mas em nenhum momento se imagina no jato sem uma esposa, um filho, uma família ou sem qualquer companhia que possa pelo menos se gabar.

Mas interessante mesmo foi um desses emails aleatórios que a gente sempre recebe, que dessa vez me surpreendeu quando observei valores sociais, culturais versus valores humanos. O depoimento de um médico da UTI que observou que todas as vezes que um paciente esta para morrer ele nunca fala "deveria ter investido meu dinheiro na empresa tal..." pelo contrário, ele sempre lamenta "deveria ter dado mais amor, deveria ter sido um pai melhor, deveria ter vivido de modo mais ameno, deveria ter revido meus conceitos, priorizado outras coisas..."

Segundo o Liberalismo, Neoliberalismo e afins, todo ser humano é livre. É livre para iniciar a atividade empreendedora que desejar, trabalhar onde quiser... E tem vários direitos garantidos pelo Estado, como educação, saúde, lazer e etc etc etc. E aquele que não se da bem na vida é porque simplesmente não quis, ou é preguiçoso, não é capaz, não deu valor a suas oportunidades, entre outros.

Mas espera aí. Realmente todo sujeito que mora debaixo da ponte está lá por que quer? Ele preferiu não ir a escola? Ele preferiu ser pobre? Ele por livre e espontânea vontade escolheu comer comida do lixo que arrumar um emprego digno?

Mas pera aí. Estado garantindo direitos aos cidadãos enrolando as políticas de reforma agrária e, ao mesmo tempo, aprovando leis de diminuição de áreas florestais em conservação para ampliar pasto de criação de gado de corte dos grandes empresários??? Haja fôlego pra suportar isso.

Fica difícil prestar atenção nos valores que priorizamos, uma vez que nem todos trabalham em UTI. Mais difícil ainda é lidar com a mídia, essa tem o dom de limitar a liberdade, garantir valores individualistas, materialistas e hobbesianos pra nossa cega e prostituida sociedade.

Entre os jovens é muito popular o seriado, estadunidense, Gossip Girl. Referência em moda, lifestyle e até mesmo um "guia espiritual", onde esses jovens se espelham para resolver próprios problemas. Com direito a mais de 10 milhões de "curti" em sua página oficial do facebook.

Trata-se de um "guia espiritual" as avessas é claro. Com a maioria dos jovens admitindo acreditar em um poder superior (Deus, Alá, Oxalá, etc) fica no mínimo curioso a contradição dos conselhos "divinos" versus "midiáticos". Citarei aqui algumas das célebres frases desse seriado e em seguida questionarei.

"Coração vazio é bem melhor que coração partido", depois as pessoas se lamentam que "família", segundo a mídia, é uma instituição "falida". Escolhe amar de tal forma como Bella e Edward da saga Crepúsculo se amam, ao ponto de se limitarem ha um não viver um sem o outro; na primeira (das milhões) frustração se fecha de tal forma a banalizar e desdenhar do amor de uma forma inversamente proporcional de um filósofo tão respeitado pelo mundo cristão inteiro: Jesus Cristo.

"Aprendi que se não podemos arrancar uma página da vida, podemos jogar o livro inteiro no fogo", e daí podemos tirar um dos inúmeros fatores que fazem com que nossa memória tenha "prazo de validade". Logo, ninguém sabe que político votou na ultima eleição, quem se envolveu em qual escândalo e no fim: todo político é corrupto, se eu estivesse lá seria também, é inevitável.

"É de natureza humana ser livre. E não importa por quanto tempo você tenta ser bom, você não consegue esconder uma menina má." Em seguida vemos, por exemplo, briga entre amigas que ambas afirmam que a outra "passou da moralidade que reveste uma amizade, logo não serve mais pra me relacionar". Mas é claro, admitindo essa natureza mesquinha como inerente e inevitável fica difícil mesmo exalar conspiração e se deparar com honestidade.

Essa é a minha preferida: "não deixe que alguém lhes diga que vocês devem ser feliz com o que tem. Sempre ha mais, e não existe motivo para que vocês não tenham tudo". É necessário mesmo tecer comentários? Acho que ficou bem claro que tipo de "valor" aqui sugerido. Seja no lado material ou "sentimental", esse impulso de "você pode e você consegue porque você é capaz" não me soa nada saudável.

Poderia aqui discorrer citações finitas, mas considerarei o suficiente. Sem mais delongas, questiono-lhes: que valores são esse sociedade? Que liberdade é essa? Que ideologia a mídia, o mercado, os cursos técnicos, a grande procura por diplomas em engenharia, os telejornais, os seriados, as músicas e outras infinitas maneias de expressão lhes sugerem? Prestem atenção!!!

Escolher usar saia jeans numa fase em que todos usam saia de cintura alta não deveria ser uma vergonha, deveria ser apenas uma simples questão de escolha. Escolher ser biotecnólogo não deveria ter nada a ver em sacrificar o mercado nacional a favor das multinacionais, das organizações mundiais como a OMC, FMI, ONU... Mas tem! E não fatalizo aqui tudo em "teoria da conspiração", aliás, de teoria isso não tem nada, muito pelo contrários, ha tempos tem sido religiosamente praticado!

Questionem, analise, metamorfose-se mas antes de tudo, faça, pratique e problematize também a L I B E R D A D E e os valores que vem com ela.