quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mil faces

 Pedro voltava de mais um dia de serviço, “daquela rotina exaustiva e alienada” como ele mesmo pensara e sorria ao se lembrar de Karl Marx.
 Enquanto embarcava no ônibus que o levaria para casa, olhou para a empresa que trabalha de uma maneira menos comum. Observou a grandeza da indústria, a chegada dos trabalhadores que virariam a noite ali produzindo para seus chefes que dormiam aconchegadamente em suas comodidades na parte nobre da cidade.
 E ao sentar-se próximo a janela viu seu reflexo nela.
 Um homem das sobrancelhas grossas, dos olhos castanhos escuros, da pele parda, do cabelo indeciso: não sabe se é liso ou enrolado, não sabe se é branco ou castanho. Riu para si mesmo depois desta observação. E após rir se deparou com uma lacuna que o levava a sua alma.
 Ao observá-la percebeu que a figura do reflexo do espelho daria um ótimo empresário se fizesse a barba e colocasse um terno, mas também daria um ótimo “James Bond” com uma BMW e uma loira sexy ao lado... Viu mil possíveis nele através de sua alma.
 Subitamente fechou os olhos e permitiu-se concentrar e sentir apenas na brisa que o tocara, ouviu de sua alma que suas mil possíveis faces não o tornaria menos ou mais humano uma que a outra. E assim Pedro, tocou na sua barba, fixou-se em olhar apenas para a cor dos seus olhos, e logo a sentir a textura do seu cabelo para enfim decretá-lo liso ou enrolado, e foi ai que...
 E foi aqui que entendeu o que sua alma lhe disse ao combinar precisamente a retina com o córtex: sou igual a todos, sou tão humano quanto a todos, tenho as mesmas possibilidades, vontades, necessidades e carências. E sou muito especial por ser assim: possível, ameno, rude, acomodado, imperfeito!
 Pedro então esboçou outro sorriso, lembrou de quando lera “Manifesto Comunista” e sentiu no coração todo o ardor por mudança e igualdade que Marx expressara naquele livro. Olhou para o teto do ônibus e agradeceu pelo livre arbítrio, que o possibilitou acreditar no amor que na revolução. Possibilitou enxergar que há uma tênue divisão entre o burguês e o ploretariado que pouco importa, nenhuma ordem econômica importa, quem trabalha a noite, quem dorme na parte nobre da cidade, quem luta por igualdade ou aquele que luta pelo poder...
 Ele enfim, em plena execução do livre arbítrio optou concentrar toda sua fé no amor, o que devira dele ou da falta dele. Viu no seu reflexo, na sua imperfeição, mil faces. E dali nivelou toda a humanidade a uma igualdade só: a igualdade de escolher o foco que deseja ter, a força que desejar medir, a fé que escolher crer. E decide ficar apenas com o amor que essa liberdade proporcionar a qualquer que seja a condição da humanidade.

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